segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

a palavra desancorada


a palavra que se desancora & se desafia... o que é exposto como destino em nossas mãos é no máximo a possibilidade de um mapa mal rasurado [e quando muito uma bússola!]
assim escreve-se porque entre tantas coisas há um silêncio, e prossegue-se nesta escrita porque se persegue este mesmo silêncio... a partir dele estão os sentidos, as memórias, os afetos...
não importa o quanto a palavra esteja eclipsada, ela ainda está ali... eis a razão porque continuar; ainda que após auchswitz escrever poesia seja um ato de barbárie [adorno]... ainda que um rio fique completamente seco, há a pedregosidade de algo que nunca se deixa mudo... o pensamento como algo que nos arrasta silenciosamente [um modo outro de buscar esta escrita].
deste silêncio há muito que se falar: a crise da linguagem é mais ainda um motivo pra continuar a escrever... eis mais uma face do silêncio como recolhimento tão necessário à criação [blanchot]... nem tanto uma ou outra língua, mas a correnteza de uma linguagem que nos move o pensamento, a memória e sua siamesa relação com o esquecimento – eis o desafio: o que fazermos com este pensar? resistirmos como testemunha de um naufrágio ou tragédia?
esta escrita persevera em direção a uma fronteira... não importa o caos de um tempo em que se está sempre envolvido, respira-se contra & além dessa existência...


benoni araújo

para aquisição do livro "não por acaso dispersos"
palestras, diálogos & afins:
(91) 99222-5816 ou benoniaraujo@gmail.com.br


a estrada aberta

um olhar: a estrada
muitos caminhos & você
bem vindo forasteiro!
o caminho se move em você 
você se enfia nos sapatos
& os sapatos se lançam na estrada 
você sabe de uma verdade
[não há medo de errar] 
a sensação de bem-estar
ao ouvir a canção de whitman 
cruzando riachos & florestas 
agora você sente melhor
o ventos em seus ouvidos 
olha o mais longe possível 
& segue [ninguém percorrerá 
a estrada por você por mim 
sim [acredita que a morte
é tão bela quanto a vida 
observa o que você absorve 
no mundo a sua volta
o ar nos seus pulmões
troca um adeus! por um olá!
menos que um passo separa
a partida da chegada: um olhar 



sexta-feira, 29 de março de 2013

quando os pássaros migram


você  precisava partir
um jeito de descortinar a casa
precisava sair de b
deixar para trás uma cidade
& suas memórias
para muitos uma fuga
pra você dava na mesma
[de lá apenas a chuva em sua cerimônia de adeus]
nada mais para ouvir
menos ainda para falar
estradas
             ausências
                             silêncio
uma geografia de exílio & ócio
agora atravessa teus olhos
vias & rodovias
                         no mapa
todo plano parece mais fácil & rápido
você sabia que algo é mais adiante
o caminho a distância o destino
você ainda tem esse fôlego pra ir
& voltar [se voltar]

sábado, 20 de outubro de 2012


lost dog


você está fora há tanto tempo
ao abrigo das noites & da lua
disperso por ruas praças bulevares
não responde por  seu nome
girando em torno de si sem nunca chegar
o que você guarda de vazio
não se esvai em paisagem alguma
um abismo por cavar
seguir sem senso de direção
perdido num cenário de roer os ossos
você segue apenas segue
abandonado [esquecido [anestesiado
incansável  busca
por uma mão que lhe afague
este rosto amável & desfigurado pra cachorro
jamais esqueceu o antigo lar
[quantas estações ficaram pra trás
até que você tenha surgido!?] 

- o que há lá fora?
- nada! apenas um cão latindo...

quarta-feira, 11 de julho de 2012

lady lot


você sabia bem o que havia ali
fogo & futuro arderiam em teus olhos
[quem mais precisa de estrelas
diante de uma lua de enxofre?]
resolveste tua vida por um olhar
por ele tudo valeria a pena 
a noite [a chama [a paixão
ali – o fogo ziguezagueava
numa cor & curiosidade ímpares
atrás de teus olhos
a beleza encantava mais que felicidade
foste a única a desafiar o medo
assistir à agonia dessa esperança
cinzas que ainda faíscam este amor
quem disse que a   vida
não teria esse sabor  salgado!?
[por dentro o mar ainda escorre em mel]

terça-feira, 30 de setembro de 2008

carta ao filho


você é apenas um nome 
talvez nem isso
um sonho um delírio a perseguir na memória 
[quem sabe sentimento de culpa!?]
teu silêncio uma paisagem turva 
                               & entorpecida
[o que haveria de mais fascinante 
                             numa infância?]
bom & brando se uma mão ali estivesse 
dizer de uma estação que me alegrasse 
tênue  tempo de alegria
se ao menos você soubesse disso 
tua ausência sempre me sufoca 
uma nova busca
[palavra rouca & interditada 
não vem de você mas de mim] 
tudo isso não chegará a você 
como de costume
nem tornará o mundo compreensível 
para mim [nós]
assim tenho terminado a vida sem você

segunda-feira, 30 de junho de 2008

pão do tédio


velhas mãos modelam o queixo

longa tarde desbotada em sua quietude 
no olhar do cão um deserto a perseguir 
na estante a beleza calada
como tudo mais na casa 
[uma varanda por varrer
um outono por retirar da relva] 
esse diário de páginas inúteis 
& o amontoar de amargos dias
[vinte e nove de novembro... caros amigos...] 
nada leva nada traz
sequer o filho virá esta  estação
& provável que nem às próximas 
rotas alteradas
                        o descarrilamento de vez 
[a voz do exílio chegando
                                         sob o lodo de tua boca] 
sua vista oculta pelo silêncio
seu tosco coração aquecido em sopa
em nada lembra o vigor de sua escrita 
agora move-se entre rasuras & nada mais 
a náusea de um canto escuro & mudo 
um amor fechando-se em sílabas
sequer o filho virá esta  estação
& provável que nem às próximas 
rotas alteradas
                        o descarrilamento de vez 
[a voz do exílio chegando
                                         sob o lodo de tua boca] 
sua vista oculta pelo silêncio
seu tosco coração aquecido em sopa
em nada lembra o vigor de sua escrita 
agora move-se entre rasuras & nada mais 
a náusea de um canto escuro & mudo 
um amor fechando-se em sílabas
mneumon vor der lethes


siehen die Gottolosen
auf den Felde
vernichten
die Sarons Rose

[tradução: ernani chaves]
[benoni araújo.
não por acaso dispersos, 2008]